sábado, 30 de maio de 2009

Um ato de amor - Celso Antunes (3ª leitura compartilhada)

Hora do intervalo na escola estadual. Lá no pátio as crianças brincam, correm, brigam, conversam, paqueram. Na sala de professores, coloca-se assuntos em dia. Uns atualizam seus diários de classe, outros folheiam o jornal, a maioria conversa sobre o salário e tudo quanto ele jamais poderá comprar. De repente, a conversa é interrompida pelo ingresso repentino de uma jovem, com roupa de enfermeira, solicitando uma desesperada ajuda:
- Por favor. Será que alguém pode ajudar. Estamos lá no hospital, aqui ao lado, com um paciente "aberto" e o médico desmaiou. O anestesista nega-se a continuar a cirurgia e eu não sei o que fazer. Será que algum dos professores pode ir até lá e dar continuidade à operação?

Não. Infelizmente não. O ato cirúrgico é um procedimento altamente profissional e somente especialistas em saúde podem promovê-Io. O professor pode sentir extrema solidariedade pelo paciente e até pela enfermeira em seu santo desespero. Mas, nada pode fazer para ajudar. Nenhum professor é especialista em atos cirúrgicos.

Não é, também, especialista em atos jurídicos. Para isso existem advogados e, se chamados a defender um réu, certamen¬te teriam a dignidade de recusar. Toda sociedade brasileira com¬preende que o ato cirúrgico é para o médico, o ato econômico, para o economista, o ato jurídico. para o advogado ... e assim por diante. Compreende, enfim, que cada profissão se expressa pela execução de sua missão, através do exercício de um perito especialista no uso dessas habilidades.

Será que compreende, mesmo?

Infelizmente compreende em parte. O ato pedagógico. o mais nobre dos gestos de amor, é ministrado por professores, mas muitos crêem que também médicos, engenheiros, advogados, administradores, sapateiros, farmacêuticos, mecânicos, me¬teorologistas e sabe-se lá mais quem mais, podem "dar uma aula". Afinal, basta conhecer um assunto e ir lá à frente falar sobre o mesmo ...

Infelizmente poucos sabem que a verdadeira aula consiste em ensinar a aprender, treinar a atenção, desenvolver habilidades, fazer do conteúdo um instrumento para a descoberta de soluções novas. A sociedade brasileira, com raras exceções, ainda não descobriu que, se existem aulas que não levam nin¬guém a lugar algum, existem outras que constroem o ser humano e exploram toda incrível potencial idade de suas múltiplas inteligências.

A verdadeira aula é um nobre ato. O ato pedagógico é o ato do amor.

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